sábado, 29 de janeiro de 2022

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev

 Desenhos do Gulag por Danzig Balaev. Versão completa

Desenhos sombrios do livro "Desenhos do Gulag" de Danzig Baldaev.
Danzig Baldaev é considerado um cronista do mundo do crime.

Quando era adolescente e morava na Buriácia, seu pai foi preso como "inimigo do povo".
Mais tarde, Danzig Balaev trabalhou como diretor e até lançou a mais completa enciclopédia de tatuagens de prisões.

Esses desenhos foram feitos por ele quando trabalhava como guarda. 
Hoje temos a versão completa de seus desenhos das masmorras do Gulag.

Mai um feito do governo do ditador comunista Stalin

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

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Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)

Desenhos do Gulag por Danzig Balaev.  Versão completa (43 fotos)
ISSO É O COMUNISMO
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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

"Uma noite no Garden" - Um olhar sobre o nazismo nos EUA

O OBSCURO “Sinédoque, Nova York”, filme escrito e dirigido por Charlie Kaufman em 2008, surgiu quando a Sony Pictures Classics pediu um filme de terror ao diretor. Kaufman, mais conhecido por roteiros excêntricos como o de “Quero ser John Malkovich”, aceitou. Mas ele não pretendia fazer um daqueles típicos filmes de terror adolescente que parecem se passar em outra dimensão. Em vez disso, afirmaria ele mais tarde, a ideia era fazer um filme para adultos “sobre coisas assustadoras do mundo real, das nossas vidas”.

VEJA O VÍDEO NO FINAL

E foi o que Kaufman conseguiu fazer. Para mim, “Sinédoque, Nova York” foi tão assustador que nunca mais quero vê-lo. Filmes sangrentos como “Sexta-Feira 13″ e suas 11 continuações não deixam de ser prazerosos – quando eles acabam, mesmo que ainda estejamos cheios de adrenalina, sabemos que não estamos sendo perseguidos por Jason Vorhees. Mas, quando “Sinédoque, Nova York” chega ao fim e as luzes se acendem, percebemos que aquilo que perseguia os personagens também nos persegue fora do cinema, na vida real.

Nenhum outro filme tinha me proporcionado uma experiência tão pura de horror até assistir ao novo documentário da Field of Vision, chamado “A Night at the Garden” (“Uma Noite no Garden”, em tradução livre) e dirigido por Marshall Curry. (A Field of Vision pertence ao grupo First Look Media, assim como The Intercept.)

O filme de Curry, que pode ser visto acima, tem apenas seis minutos de duração; é uma minúscula obra-prima, que deveria ser ensinada em cursos de História, Cinema e Psicologia.

À primeira vista, o curta-metragem simplesmente mostra um comício do Bund Germano-Americano, realizado em fevereiro de 1939 no Madison Square Garden, em Manhattan.

O Bund – “federação” em alemão – nunca chegou a crescer de maneira significativa. As estimativas variam, mas, de qualquer forma, o número de filiados nunca passou de 25 mil. No entanto, ele era aliado da Frente Cristã, uma organização inspirada na figura de um famoso demagogo antissemita, o padre Charles Coughlin. Dezenas de milhões de americanos ouviam o programa de rádio semanal do sacerdote; um de seus lemas era “Menos internacionalismo e mais prosperidade nacional”.

A Frente Cristã ajudou a encher a arena, com capacidade para 20 mil pessoas. É um número surpreendente para Nova York, que sempre foi um símbolo de progressismo, o que pressupõe um apoio passivo a essas duas organizações que ia muito além do público presente no comício.

Do lado de fora, o letreiro anuncia um “comício pró-americano” — no dia seguinte, haveria uma partida de hóquei entre Rangers e Detroit Red Wings, e, um dia depois, um jogo de basquete universitário entre Fordham e Piitsburgh. O evento começa com a entrada de dezenas de pessoas portando bandeiras dos Estados Unidos, marchando solenemente até o fundo da sala, diante de uma gigantesca imagem de George Washington.

O orador principal é Fritz Kuhn, um alemão naturalizado americano, presidente do Bund. É óbvio que se trata de um fanfarrão, um escroque. Ele declara que está ali para “exigir que o governo volte para as mãos dos americanos, seus fundadores” – com um sotaque tão forte que parece o próprio Adolf Hitler. Até o embaixador nazista nos Estados Unidos se envergonhava de Kuhn, referindo-se a ele como “estúpido, barulhento e absurdo”.

Entretanto, ninguém no Madison Square Garden parece se dar conta disso. Arrancando risadas da plateia, Kuhn fala sobre as mentiras da “imprensa controlada pelos judeus”, que o descreve como “uma criatura com chifres, cascos e uma longa cauda”.

Então, um homem de 26 anos chamado Isadore Greenbaum invade o palco e é imediatamente agarrado e agredido pelos lacaios uniformizados de Kuhn. Em um determinado momento, enquanto a polícia de Nova York carrega Greenbaum para fora, suas calças são arriadas. Kuhn sorri, debochado, e a plateia vai ao delírio.

O filme termina com uma soprano entoando “Star-Spangled Banner“, o hino americano.

No dia seguinte, o New York Times noticiou que o Bund havia coletado quase US$ 8,5 mil em doações, o equivalente a US$ 150 mil nos dias de hoje. Ainda naquele ano, Kuhn seria preso por se apropriar de um total equivalente a US$ 250 mil atuais de seus fiéis seguidores.

O artigo do New York Times citava manifestantes de esquerda, que afirmavam terem sido “pisoteados pela polícia montada e brutalmente agredidos por policiais uniformizados e à paisana” do lado de fora da arena. Um coronel da reserva reclamava que os membros do Bund“poderiam confundir as pessoas”, pois seus uniformes eram parecidos com o do exército americano.

Além disso, informava o jornal, a repórter Dorothy Thompson, que estava presente no comício, chegara a ser retirada da sala por ter soltado uma risada. Anos antes, Thompson havia sido correspondente do New York Post em Berlim, cobrindo a ascensão do fascismo antes de ser expulsa da Alemanha, em 1934. Na época do comício do Bund, ela estava casada com Sinclair Lewis, autor do livro “Não Vai Acontecer Aqui“.

Muitos anos depois dos acontecimentos de “Uma Noite no Garden“, Thompson escreveu um influente artigo para a Harper’s Magazine intitulado “Who Goes Nazi?” (“Quem vai virar nazista?”, em tradução livre), no qual descreve a “brincadeira macabra” de tentar especular quem, dentre as pessoas que conhecemos, poderia se tornar um nazista. “A essa altura da vida, acho que já sei”, afirma.

“O nazismo não tem nada ver com raça ou nacionalidade. Ele atrai um determinado tipo de mentalidade. (…) O intelectual frustrado e humilhado; o especulador rico e assustado; o filho mimado; o tirano dos empregados; o homem que alcançou o sucesso com oportunismo – todos eles abraçariam o nazismo”, escreve Thompson.


Marshall Curry fala sobre o seu filme “Uma Noite no Garden“ em uma apresentação da Field of Vision durante o 55º Festival de Cinema de Nova York, no Elinor Bunin Munroe Film Center, no dia 10 de outubro de 2017, em Nova York.

Curry ficou sabendo do comício do Bund há seis meses, por meio de um amigo que estava escrevendo o roteiro de um filme que se passa em 1939. A princípio, o diretor não acreditou. “Se realmente tivesse acontecido um enorme comício nazista no coração de Nova York, eu já teria ouvido falar”, explica.

Mas a verdade é que aconteceu; o evento simplesmente havia sido esquecido pela História. Curry encontrou outros documentários que usavam imagens daquela noite e contratou o pesquisador Rich Remsberg para procurar mais material.

Remsberg descobriu imagens do comício em todo o país, inclusive no Arquivo Nacional e na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). O material tinha duas características notáveis: em primeiro lugar, o comício havia sido filmado em 35mm – e não em 16mm ou 8mm, o padrão da época –, então a qualidade do filme era surpreendentemente boa. Além disso, as imagens de dentro do Madison Square Garden haviam sido todas filmadas pelo próprio Bund – e de forma tão hábil que seus autores certamente devem ter estudado a cinematografia nazista.

Curry usou essas imagens de arquivo para criar um filme extremamente engenhoso. Não há nenhuma narração ou depoimento de historiador nos dizendo o que sentir. Em vez disso, o espectador tem espaço para decidir por si mesmo como apreender a experiência.

O que é ainda mais interessante é a ausência de qualquer menção aos Estados Unidos atuais. “Quando o americano médio não politizado assistir ao filme, ficará um pouquinho mais consciente de como os demagogos usam o sarcasmo, o humor e a violência para atrair pessoas que até então eram cidadãos respeitáveis”, afirma Curry.

Para ilustrar a questão, o diretor menciona as cenas de júbilo da plateia ao ver Greenbaum sendo atacado e humilhado. “São milhares de pessoas de terno, vestido e chapéu; pessoas que provavelmente tratavam muito bem os vizinhos”, diz.

TALVEZ O GRANDE MOMENTO de “Uma Noite no Garden” seja o plano de um jovem uniformizado no palco. Ele parece ter cerca de oito anos, é membro da juventude do Bund e é menor do que os outros. Enquanto a turba ultraja Greenbaum, carregando-o para fora do palco, o menino olha em volta, para se certificar de que não está sozinho, e dá pulinhos de prazer, esfregando as mãos e dançando.

Esse deleite selvagem e animalesco só pode se manifestar em uma pessoa com a idade emocional de uma criança. Mas existem muitos adultos “cronológicos” esperando para que alguém lhes dê autorização para se livrar do fardo da consciência moral adulta; alguém que lhes diga: “Encontramos os culpados de toda a sua frustração e dor. Eles se parecem conosco, como humanos, mas não o são. Estão apenas disfarçados. Dissolva-se conosco nessa uivante massa protoplasmática, e você não será responsável por nada.”

Isso já aconteceu, em maior ou menor escala, diversas vezes na história humana. É algo muito mais enraizado em nós do que qualquer coisa que chamemos de “política”. O nazismo e o fascismo são apenas os nomes que demos à manifestação moderna desses valores.

Contudo, para que esse potencial vire realidade, são necessárias determinadas pessoas tomando determinadas decisões em determinados momentos históricos. Neste caso, o filme nos informa que o evento ocorreu no dia 20 de fevereiro de 1939.

Quando vi a data, fiquei com uma pulga atrás da orelha. Outra coisa havia acontecido naquele dia. Mas o quê?

Consultei o livro “Ascensão e Queda do Terceiro Reich” e linhas do tempo da Segunda Guerra Mundial na internet, mas não encontrei o que procurava; fui dar um longo passeio, mas não consegui refrescar a memória. Durante dois dias, fiquei com aquela sensação desagradável que todo mundo conhece: a de ter esquecido algo importante que só será lembrado quando for tarde demais.

Mas o que era?




EMBORA EU não seja judeu, o pai do meu pai era. A família dele emigrou da Alemanha para os EUA no fim do século XIX e se instalou em Chicago, onde meu avô nasceu. Depois que ele se casou com a minha avó, a família se mudou para a capital, Washington. Mas ele ainda tinha parentes na Europa.

Há quase 80 anos, minha família guarda uma carta que meu avô recebeu de sua prima Lilly Schwarz, de Düsseldorf. Minha tia, irmã do meu pai, é a atual guardiã do documento. Mesmo em 2017, aquela caligrafia meticulosa ainda exalava terror:

“Querido Charles!

Finalmente consegui o seu endereço e escrevo imediatamente. Das piores coisas, acho que você vai ser informado pela sua mãe. (…) Agora temos que esperar o nosso número ser chamado pelo consulado americano em Stuttgart, o que pode demorar de um ano a um ano e meio. Enquanto isso, tento emigrar para a Inglaterra, porque a situação aqui está intolerável. Você ou algum amigo seu tem contatos na Inglaterra? Se tiver, por favor me mande o endereço deles. A única forma de emigrar é encontrar um serviço de empregada doméstica. Só assim o Home Office permite que você entre no país e trabalhe. (…)

Quero saber da sua vida. Nossa querida tia Helen me escreveu dizendo que você tem um bom emprego no Departamento do Tesouro. Você deve andar muito ocupado, e o trabalho deve ser muito gratificante. E a sua mulher e o seu bebê? Espero que todos estejam bem de saúde. (…)

Você tem alguma ideia ou conselho para apressar a nossa emigração? Aliás, será que você tem algum contato no governo? Como Washington é a capital, aí deve ser o melhor lugar para experimentar o que há de mais novo. Estamos aguardando a publicação das novas condições para a emigração judaica. Você não imagina como os judeus estão desesperados.

Meu inglês é muito engraçado? Consigo ler livros e jornais em inglês e sei que as palavras nunca mudam, não importa a declinação. Aproveito cada momento para estudar o idioma; aprendi no último inverno a taquigrafia inglesa e também sei datilografar.

Por favor, mande uma resposta rápida.

Com muitos cumprimentos e muito amor para todos vocês,

Continuo sendo a sua prima Lilly”

A pulga atrás da minha orelha me dizia para encontrar essa carta, então fiz uma busca na minha caixa de e-mails e acabei encontrando uma transcrição. E bati o olho na primeira linha:


Lilly tinha 33 anos quando escreveu ao meu avô. Ela estava sendo perseguida por um monstro e acreditava que estaria a salvo se conseguisse chegar nos EUA.

Mas ela nunca chegou. O monstro devorou-a. Dois anos depois, em outubro de 1941, ela foi deportada para o gueto de Minsk, na Bielorússia, onde acabou morrendo.

Quando vi a data da carta de Lilly, experimentei uma reação física que jamais havia sentido. Aquilo reverberou pelo meu corpo, da cabeça aos dedos do pé e de volta à cabeça. Naquele dia, ela era mais de 10 anos mais nova do que eu hoje. Ela não sabia que o monstro que a perseguia também esperava por ela nos Estados Unidos, só que dormitando – e que, no exato momento em que escrevia seu apelo desesperado, dezenas de milhares de americanos comuns, banais, ordinários, tentavam despertá-lo.

É por isso que “Uma Noite no Garden” é um verdadeiro filme de terror. Ele acaba em seis minutos, mas o medo do espectador perdura. Percebemos que o monstro está por toda parte – porque o levamos dentro de nós.

Na maioria dos lugares, na maioria das épocas, o monstro está hibernando. Muitos americanos brancos acreditam que esse sempre foi o caso nos EUA, mas quem não é branco sabe que ele sempre andou por aí, cambaleante de sono, ao longo da história do país. Porém ele nunca chegou a acordar totalmente, e só em ocasiões extraordinárias uma sociedade consegue despertar a sua fúria. Por enquanto, ainda estamos longe disso, e a probabilidade do monstro acordar nos EUA ainda é pequena. Mas o último ano me fez perceber que ela é maior do que eu imaginava. Há dias em que posso ver um estremecimento nas pálpebras da besta.

Graças àquela carta, tenho a impressão de que conheço Lilly, e às vezes me imagino encontrando-a em outra dimensão. Gostaria de poder dizer à minha prima que seu sofrimento não foi em vão, que aprendemos com ele e fizemos de tudo para manter o monstro sedado. Mas eu estaria mentindo. Os americanos são tão ignorantes, egoístas e cegos quanto todos os seres humanos que já passaram por este planeta, e quem assistir a “Uma Noite no Garden“ – assistir de verdade – entenderá que absolutamente tudo é possível.


quarta-feira, 11 de outubro de 2017

“Foi duro dar a ordem para eliminar o Che”

O agente cubano da CIA que participou da captura de Che Guevara na Bolívia, Félix Rodríguez, recebe a reportagem aos seus 76 anos em sua casa de Miami rodeado de recordações de sua carreira de soldado da Guerra Fria. Pistolas, punhais, granadas e fotografias suas com presidentes dos EUA e espiões que já não existem. A produtora espanhola Scenic Rights prepara um documentário sobre sua vida. Veterano do Vietnã e envolvido no combate à insurgência na América Central, Rodríguez afirma que a CIA queria o guerrilheiro vivo para interrogá-lo, mas o Governo da Bolívia ordenou a sua execução. “Tentei salvá-lo, sem sucesso”, diz, apesar de considerar Ernesto Guevara de la Serna “um assassino”. Ao lado, em uma mesinha, tem uma velha pistola Star de fabricação espanhola. “Cuidado se pegar, está carregada. Eu sempre tenho algo por perto, caso necessário”, diz o homem que aparece com ares de satisfação à direita de Che em sua última foto – esfarrapado, de pé – antes de ser executado por um sargento boliviano.

–Essa é sua última imagem vivo.
–Sim –responde–. A última tirada antes de ele morrer.
–Em La Higuera.
–Exato. Em La Higuera.
–Quem tirou a foto?
–A foto foi tirada pelo piloto do helicóptero, o major boliviano Jaime Niño de Guzmán.
–Quem pediu para a foto ser tirada e para que?


Rodríguez, codinome El Gato em seus tempos de operações especiais, precisa entrar em detalhes para responder a esta pergunta. Retornar em sua memória à Bolívia no ano de 1967 e contar aquilo detalhadamente. “Me deixe contar a história”, diz.

Durante 20 minutos, pega o fio e o estende do momento em que o avisam da queda de Guevara até uma câmera retratar seu último olhar.

O monólogo –abreviado– diz assim:
“Nós recebemos a informação da captura do Che no domingo oito de outubro pela manhã. Um grupo de jovens soldadinhos que falavam quéchua, aymara e guarani foi treinado para ir na vanguarda do batalhão para recolher informações e inteligência em roupas civis, porque assim era mais fácil falar com os camponeses. E essas pessoas em roupas civis retornam às sete da noite, no sábado, e dão a informação ao capitão Gary Prado de que um camponês lhes mostrou uma área chamada La Quebrada del Yuro onde estavam escondidos os guerrilheiros; porque esse camponês tinha uma plantação bem perto dali e os viu.

Então, com essa informação o capitão Gary Prado cerca a Quebrada del Yuro às sete da noite. E no domingo oito de outubro começa a avançar de manhã e aí começa o tiroteio. Nessa operação o Che é ferido na perna esquerda, um tiro entre o joelho e o tornozelo, mas nada muito sério. Lá morre a maior parte dos guerrilheiros e morrem alguns soldados, e é onde cai preso Che Guevara, que estava sendo auxiliado para tentar escapar por Simeón Cuba Sarabia, codinome Willy, um guerrilheiro boliviano baixinho, moreninho, com uma barba enorme, acho que uma barba maior do que a dos próprios cubanos, e esse não tinha um arranhão. Che é preso com ele. E no momento em que vão prendê-lo, os soldadinhos me contam, Che diz: “Não atirem que sou o Che. Eu valho mais vivo do que morto para vocês”. E então o levam e o mandam à escolinha de La Higuera e o colocam – olhando a escolinha de frente – na sala da esquerda, e atrás dele, no mesmo quartinho, colocam os cadáveres dos cubanos.

Aí então eles me mandam a informação de manhã em código, que dizia: “Papai cansado”, o que significava que o líder da guerrilha estava preso e vivo. Mas não sabíamos se “Papai” era Che Guevara ou se era Inti Peredo, que era o líder da guerrilha do lado boliviano. De modo que voamos à área de operações e verificamos que “Papai cansado” era Che Guevara.
O estrangeiro. Não disseram o Che, disseram “o estrangeiro".


Essa noite tivemos uma recepção em um hotelzinho de Vallegrande, com velas porque não havia eletricidade, e eu peguei duas garrafas de scotch que havia comprado havia tempos para um evento como este, para comemorar. Isso era na noite de domingo, o dia em que ele foi preso.

No dia seguinte, nove de outubro, às sete da manhã decolamos em um pequeno helicóptero pilotado por Niño de Guzmán. Aterrissamos ao lado da escolinha onde Che estava preso e estavam nos esperando todos os oficiais do batalhão, entre eles o tenente coronel Selich que estava com toda sua documentação. Che usava uma bolsa de couro como as que as mulheres carregam, grande, de cor clara, e dentro tinha um livro grande que era um diário com os meses escritos em alemão, de 67, mas claro, escrito por ele em espanhol. Dentro tinha uma série de fotografias da família, medicamentos para a asma, livrinhos para mensagens em código numérico de uma só via, que são impossíveis de se decifrar. Tinha alguns caderninhos negros de espiral escritos à máquina de escrever e assinados por um tal Ariel, que eram as mensagens que ele recebia de Cuba. Mas ele não podia transmitir a Cuba porque Cuba lhe deu para isso um transmissor quebrado, porque ele foi enviado para lá para ser morto. Porque Che era pró-China e Cuba dependida da URSS. Ou seja, os soviéticos não tinham nenhum interesse no sucesso de Che Guevara na Bolívia. Foi deixado só, para que o matassem ali, definitivamente.

Então entramos na escolinha e em uma sala estava o Che jogado no chão, com as mãos e os pés amarrados embaixo de uma janela que havia ao lado da porta, e atrás os dois cadáveres. O único que falou foi o coronel Centeno Anaya. Fazia perguntas, mas o Che olhava para ele e não respondia nada. Nem falou com ele. A tal ponto que o coronel disse: “Escuta, você é um estrangeiro, invadiu meu país. Pelo menos poderia ter a cortesia de responder”. Nada.

Aí pergunto ao coronel se pode me fornecer a documentação do Che para fotografá-la para meu Governo e ele dá ordem ao tenente-coronel Selich que entregue tudo para mim. Ele me entrega aquela carteira de couro e vou trabalhar com a documentação em outro lugar. Ia fotografando o diário e voltava para falar com o Che. Entrava e saía constantemente, de manhã até a uma da tarde. Quando estava fazendo isso toca o telefone e um dos soldados me diz: “Meu capitão, uma ligação”. Vou até o telefone e me dão “ordens superiores: 500–600”. Era um código muito simples que tínhamos estipulado.

500 era o Che Guevara.
600, morto.
700, mantê-lo vivo.
Peço que repitam. Voltam a confirmar.
“Ordens do Alto Comando: 500–600”.

Quando Centeno Anaya chega, eu o chamo de lado e digo: “Coronel, chegaram instruções do seu Governo para eliminar o prisioneiro. As do meu Governo são de tentar salvar a vida dele e temos helicópteros e aviões para levá-lo ao Panamá para um interrogatório”. Ele responde: “Olha, Félix, as ordens são do Presidente e do Comandante das Forças Armadas”. Olhou para o relógio e disse: “Você tem até as duas da tarde para interrogá-lo. E às duas horas você pode executá-lo da maneira que quiser porque sabemos o dano que fez para seu país. Mas eu quero que você, às duas da tarde, me traga o cadáver do Che Guevara”. Eu respondi: “Coronel, tentei que o senhor mudasse de idéia, mas se não chegar uma contraordem dou minha palavra de homem que vou entregar o cadáver do Che”.

Mais tarde, ao falar com o Che, vem o piloto Niño de Guzmán com uma câmera Pentax do chefe de Inteligência. “Meu capitão, o major Saucedo quer uma foto com o prisioneiro”. Olho para o Che e digo: “Comandante, você se importa?”. Ele disse: “Não me importo”. Então caminhamos. Ele andava com dificuldade pela bala na perna esquerda. Saímos da escolinha e foi aí que paramos para fazer aquela foto. Eu dou minha própria câmera ao piloto e digo ao Che: “Comandante, olhe o passarinho”. Ele começou a rir, porque é o que falamos em Cuba para as crianças.

“Criança, olhe o passarinho”.

Na verdade, acho que ele estava rindo no momento em que a foto foi batida. Mas, obviamente, mudou para esta expressão que você vê agora. Eu usava o uniforme das tropas especiais dos EUA, mas sem nenhuma insígnia. Eu tinha aí 26 anos. Ele, 39. Parecia um mendigo. As roupas estavam surradas, sujas. Não tinha botas, eram uns pedaços de couro amarrados nos pés. O cabelo ensebado. Realmente, às vezes eu estava falando com ele e não prestava atenção ao que estava dizendo, porque nunca o tinha visto pessoalmente, mas me lembrava das imagens do Che quando visitou Moscou, quando estava com os russos ou quando visitou Mao Zedong em Pequim. Aquele homem arrogante, com aqueles casacos bonitos. E ver este homem agora como um cara que estava pedindo esmola. Dava pena.

- Qual foi para você o maior defeito e a maior virtude do Che?

- Virtude acho que não tinha nenhuma. O que posso dizer é que o homem era dedicado aos seus ideais, que obviamente estavam errados e foram um desastre total. E que nos próprios treinamentos, me disse gente que treinou com ele, era muito persistente. Estava cansado, morto e tentava continuar. Não desistia. Mas, por outro lado, foi um assassino que gostava de matar pessoas e estava cheio de ódio pelo inimigo. Uma pessoa que mandou fuzilar milhares de cubanos.

- A captura dele foi a maior conquista de sua carreira?
- Uma das principais, embora seja a que ficou mais famosa.
- Existe alguma operação que não gosta de se lembrar?

- Possivelmente o episódio mais duro foi precisamente quando tive que comunicar a ordem, de parte do Governo boliviano, para que eliminassem o Che. Embora também tenha pensado no desastre causado em minha pátria no momento em que deixaram Fidel Castro em liberdade.

- Comunicou a ordem na frente de Guevara?

- Não, eu recebo a comunicação e depois entro na sala, paro na frente dele e digo: “Comandante, sinto muito, é uma ordem superior”. E ele entendeu perfeitamente o que eu estava dizendo.

- O que ele disse?

- “É melhor assim. Eu nunca deveria ter caído prisioneiro vivo”. Então tirou o cachimbo e disse: “Quero dar este cachimbo a um soldado boliviano que se portou bem comigo”. Guardei o cachimbo e perguntei: “Quer algo para sua família?”. E ele me respondeu, diria que de forma sarcástica: “Bem, se puder diga a Fidel que logo verá uma revolução triunfante na América”. Eu interpreto como se tivesse dito a Fidel: “Você me abandonou, mas isso vai triunfar de qualquer maneira”. Depois mudou de expressão e disse: “Se puder, diga para a minha mulher se casar de novo e tentar ser feliz”. Essas foram suas últimas palavras. Ele se aproximou de mim, apertamos as mãos, demos um abraço, ele deu uns passos para trás e ficou parado pensando que era eu que ia matá-lo.

- O que aconteceu com o cachimbo?

- Olha, foi uma das coisas que me arrependo. Tirei o tabaco e guardei. Inclusive na culatra de um dos revólveres que uso tenho parte do fumo da última vez que ele usou, enfiada em um vidrinho. Depois veio o sargento Mario Terán dizendo: “Meu capitão, quero o cachimbo! Eu o matei, eu mereço!”. E eu, que por dentro, não queria ter que cumprir um desejo dele, sabendo tudo que tinha feito com a minha pátria, peguei o cachimbo e dei ao sargento: “Tome, para que se lembre do seu feito” [diz com tom de rechaço]. Pegou o cachimbo, abaixou a cabeça e foi embora.

- O que mais chamou sua atenção quando viu o Che?

- Ver um homem tão destruído.

- O que sentiu ao falar com ele?

- Naquele momento, honestamente, não tinha percepção do que estava acontecendo, a magnitude que tinha aquela operação. Para mim, era mais uma operação. Para mim, o Che Guevara não era grande coisa, não era a figura que Cuba depois fabricou.

- Ficou surpreso com algo que ele disse?

- Toda vez que eu fazia perguntas de interesse tático para nós, ele respondia: “Você sabe que não posso responder isso”. Por outro lado, houve um momento em que começamos a falar sobre a economia cubana, e ele começou a culpar o embargo americano por tudo. Disse a ele: “Comandante, você foi presidente do Banco da Nação e nem era economista” Então, ele respondeu: “Você sabe como cheguei a presidente do Banco?”. E me conta: “Um dia entendi que Fidel estava pedindo um comunista dedicado e levantei minha mão. Mas estava pedindo um economista dedicado”.

- Presenciou a execução dele?

- Não. Não tinha nenhum interesse em ver aquilo. Fui para outro lugar e me sentei em um banquinho a uns cem metros para tomar notas. Ouvi uma rajada curta e anotei: uma e quinze da tarde. A hora exata em que foi executado.

Vídeo: 'Che' é celebrado em Cuba 50 anos após sua morte (Via AFP)

O legado de Che Guevara 50 anos após sua morte

Até mesmo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) já se despediram dele. Desde que os guerrilheiros entregaram as armas, Ernesto "Che" Guevara não determina mais o cotidiano deles. Há pouco tempo, a ilustração do rosto da figura emblemática ainda estampava os uniformes dos rebeldes na selva colombiana. Agora, eles têm de seguir adiante sem o líder revolucionário.

Nesta segunda-feira (09/10), comemora-se o 50º aniversário da morte de Che Guevara. Nascido em 1928 na Argentina, o médico, revolucionário e guerrilheiro ganhou projeção internacional quando, entre 1956 e 1959, comandou a Revolução Cubana ao lado de seu companheiro e posteriormente chefe de Estado cubano, Fidel Castro.

Che Guevara foi uma das figuras mais emblemáticas e importantes da revolução. No entanto, abandonou seus cargos políticos na ilha para poder avançar com outras revoluções: no Congo e na Bolívia. Até que, em 1967, foi capturado, preso e morto pelo Exército boliviano.

Meio século depois, muitos se perguntam: o que permaneceu do legado de Che Guevara com o fim da Guerra Fria, com a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos e com a morte de Fidel Castro? Ele ainda serve de ícone e inspiração fora de Cuba para os políticos de esquerda de todo o mundo?

Era Trump

"Como figura política Che Guevara já foi enterrado há muito tempo, mas como líder revolucionário, ícone pop e inspiração do Movimento Estudantil de 1968 ele ainda vive", afirma Matthias Rüb, correspondente do jornal alemão Frankfurter Allgemeinen Zeitung na América Latina.

Autor de uma biografia sobre Che Guevara recém-publicada na Alemanha, Rüb aborda não apenas as anotações do próprio líder revolucionário, como também a recepção política de suas ideias.

"Ainda que Che hoje pareça anacrônico, ele nunca perdeu força como figura simbólica antiamericanismo", diz o biógrafo. Para Rüb, não se pode descartar que a era Trump esteja ressuscitando o patrono dos críticos da globalização e herói dos movimentos de libertação de esquerda.

"O atual presidente norte-americano, Donald Trump, está fazendo de tudo para que o antiamericanismo seja reavivado e possivelmente, dando vida a Che novamente", afirma Rüb.

Rejeição à luta armada

Na Alemanha, o contato com a figura de Che aconteceu principalmente na história recente do país. Para Heike Hänsel, política do partido alemão A Esquerda, Che Guevara continua sendo a figura emblemática de Cuba. Ela defende a mensagem do líder revolucionário. "Para o A Esquerda, é um ponto crucial que não nos sujeitemos a nenhum tipo de exploração e muito menos ao imperialismo."

No entanto, Hänsel rejeita veementemente a utilização da luta armada para a defesa da igualdade social e do socialismo, tal como defendia Che Guevara.

"Há tantas zonas de conflito e guerras civis que é totalmente irresponsável defender e propagar a luta armada", esclarece a política. Com o avanço das técnicas bélicas, hoje seria uma loucura querer defender e implementar ideais políticos por meio da utilização de armas, diz.

O antigo ministro do Exterior do México, Jorge Castañeda, começou há vinte anos com a desconstruir o legado do líder revolucionário. "As ideias de Che Guevara, sua vida, seu legado e seu exemplo pertencem ao passado. Por isso, elas nunca mais poderão se tornar atuais", analisou Castañeda na biografia do argentino que publicou em 1997.

Na época da publicação, as afirmações de Castañeda causaram escândalo na América Latina. Isso porque, Che Guevara era – e continua sendo – uma inspiração para os críticos da política neoliberal apoiada por Washington e que levou a Argentina à falência no início dos anos 2000. A ascensão de políticos de esquerda nesse período permitiu um histórico comeback da figura de Che Guevara na América Latina.

Che e o papa Francisco

Para Rüb, os atuais movimentos sociais na América Latina de certa forma levam adiante a luta do líder da Revolução Cubana. "Não há mais a figura de um único grande revolucionário. A luta contra a desigualdade social continua viva na América Latina, mas ela é agora conduzida por coletivos e movimentos sociais que, por meios pacíficos, querem fazer valer seus direitos."
O papa Francisco, argentino assim como Che Guevara, também pertence a essa nova luta na região, como aponta Rüb. "Francisco é um papa que tenta dar continuidade à herança de Che de forma pacífica. Na América Latina, isso significa sobretudo a superação da terrível desigualdade social", diz. "Exagerando um pouco, pode-se dizer que o papa Francisco é o novo Che Guevara."